Em dezembro de 2010, a prefeitura de Rio Largo, na região
metropolitana de Maceió, usou o estado de calamidade pública provocado pela
chuva como argumento para desapropriar uma área de 2,5 milhões de m² (252,4
hectares). O objetivo seria construir habitações populares para moradores de
áreas de risco da cidade, que foi arrasada pela enchente do rio Mundaú em junho
daquele ano.
Mas em vez de servir como conjunto de habitações popular, o
terreno foi vendido pela prefeitura – com aval unânime da Câmara de
Vereadores–, à construtora MSL. Pela área, localizada ao lado do aeroporto
internacional Zumbi dos Palmares e uma das mais valorizadas do município, a
empreiteira pagou, sem licitação, apenas R$ 700 mil, ou seja, R$ 0,28 por m².
Hoje, o terreno está avaliado em cerca de R$ 30 milhões –mais de 40 vezes o valor
pago pela construtora.
Por conta do negócio suspeito, o prefeito de Rio Largo,
Toninho Lins (PSB), e os dez vereadores do município tiveram a prisão decretada
pela Justiça.
No lugar das prometidas casas populares, há máquinas
trabalhando para ajustar os 9.901 lotes do conjunto Cidade Jardim, que estão
sendo vendidos a preços valorizados e bem acima da renda dos moradores afetados
pela chuva. Segundo o Movimento de Combate à Corrupção de Rio Largo, autor da
denúncia ao Ministério Público Estadual, o menor lote não sai por menos de R$
20 mil, fora os valores da construção. Enquanto isso, moradores que vivem às
margens do rio Mundaú continuam à espera de uma casa prometida pela prefeitura
há um ano e 11 meses.
No município, segundo dados da Defesa Civil Estadual, 2.994
casas foram danificadas ou destruídas em junho de 2010. Passados quase dois
anos daquela foi considerada a pior cheia desde 1969, apenas 238 casas foram
entregues pelo governo aos desabrigados que viviam em barracas de lona. Segundo
o governo do Estado, 2.756 casas estão em construção no município.
Moradores reclamam
Os moradores de áreas de risco de Rio Largo criticam a venda
do terreno. Na casa de Severina dos Santos, 52, basta uma chuva de média
intensidade para que a água do rio entre. Ela conta que sempre desejou sair do
local e diz que já ouviu muitas promessas de casas, mas que nunca recebeu uma
nova moradia nem o valor pela desapropriação da atual residência.
“A verdade é que já deram tantas datas que a gente não
acredita mais. A última vez que disseram era para entregar as casas no Dia das
Mães. Agora, se não entregarem até o final desse mês, a gente vai fechar a rua,
tocar fogo em pneus. Não podemos viver nessa condição, ainda mais depois desse
caso da venda do terreno”, afirma.
Vizinha de Severina, Ana Carla Batista, 28, não esconde a
revolta. “Na enchente de 2010, a gente passou duas semanas em barracas, em cima
das canas. Vieram aqui e prometeram as casas. Mas estão dizendo que pegaram o
terreno e venderam. E agora, como a gente fica?”.
Na rua Pereira Leite, onde as duas moram, a enchente também
destruiu os trilhos do trem, que até hoje não foram recuperados. “No trem, a
passagem custa R$ 0,50, mas de ônibus pagamos R$ 2,80 para irmos a Maceió. Não
tem quem suporte pagar tanto não”, diz Mariluze Conceição de Oliveira, 42.
Em outra comunidade também à beira do rio Mundaú, a prisão
do prefeito e dos vereadores é vista como mais um empecilho no desejo de deixar
a casa em área de risco. “A gente sabe que essa casa é o governo federal quem
está dando, mas o prefeito ajuda com a obra. Sem ele agora, como é que vai
ficar?”, indaga a dona de casa Lúcia Maria Vasconcelos, 38.
“A gente vive aqui morrendo de medo de uma nova cheia.
Agora, além do medo, a gente está ainda mais revoltado em saber que estão
dizendo que o terreno que deveria ser das casas foi vendido. A gente está
pensando em invadir as casas [em construção], pois está chegando mais um
inverno e não deram solução”, diz Ana Paula Lima, 32.
Denúncia
Segundo a denúncia do MP à Justiça, o prefeito Toninho Lins
(PSB) montou um “grupo criminoso” para executar a venda do terreno e fraudar os
cofres públicos. O MP afirma que os empresários pagaram propina pela
negociação.
As investigações apontaram que “o prefeito e um grupo de
empresários do Pará, ao lado dos vereadores, montou a fraude para desapropriar
as terras da usina Utinga Leão por preços abaixo do valor de mercado e, em
seguida, revender o local para um empreendimento imobiliário”.
Todo o esquema foi executado em apenas dez dias, entre a
desapropriação e a venda do local, já que o prefeito teria usado a calamidade
pública como desculpa para pedir a dispensa da licitação.
Em nota, o prefeito Toninho Lins negou irregularidades na
negociação e disse que “esclarecerá todos os fatos, separando-os dos interesses
políticos, já tão ativos nesse ano eleitoral”.
Segundo Lins, as casas para os desabrigados das enchentes de
junho serão garantidas. “[A prefeitura] continuará trabalhando intensamente na
reconstrução dos estragos das enchentes, diretamente e em parceria com os
governos Estadual e Federal, o setor privado e as organizações legítimas da
comunidade, o que já resultou em grandes avanços e benefícios, como a
inauguração de novas escolas, unidades de saúde e casas para os desabrigados.”
A empresa MSL Empreendimentos Imobiliários não foi
localizada para comentar a denúncia.
Uol
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