Trabalhadores do setor público ganham mais do que os do
setor privado formal em 88% das ocupações. Levantamento do GLOBO, a partir dos
dados do Censo 2010, levando em conta estatutários, militares e trabalhadores
com carteira assinada, aponta que, no Brasil, das 338 ocupações onde é possível
a comparação, o setor público paga mais em 297. Nessas 338 ocupações, o setor
público soma 3,2 milhões de funcionários; o privado, 31,6 milhões.
Advogados e juristas, por exemplo, que trabalham as mesmas
40 horas semanais ganham no governo ou no setor militar 121% a mais do que seus
colegas de formação empregados com carteira assinada no setor privado: R$
10.097 contra R$ 4.578, em média. Mesmo professores dos ensinos fundamental,
médio e superior recebem mais quando não estão na iniciativa privada. No
fundamental, os profissionais chegam a ganhar 11% a mais.
No Rio, os salários de funcionários do setor público também
são maiores do que os dos trabalhadores da mesma ocupação no setor privado em
222 profissões, de um total de 267. Os médicos, por exemplo, ganham 8% a mais
se estiverem trabalhando para o governo. Nessa conta, no entanto, não entram os
profissionais que têm consultórios e tendem a ser melhor remunerados. Já os
professores universitários recebem 21% a mais se não estiverem na iniciativa
privada.
— O servidor público tem, em média, mais escolaridade do que
o que está no setor privado e isso justifica em parte os salários maiores.
Mesmo quando são levados em conta a escolaridade e o gênero, ainda assim, o
servidor recebe, em média, 20% a mais do que quem está na iniciativa privada —
diz Fernando Holanda Barbosa Filho, professor do Instituto Brasileiro de
Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), que acredita que como os
servidores têm estabilidade, “uma espécie de seguro”, deveriam ganhar menos do
que os que estão no setor privado, “que correm mais risco”:
— Pode-se dizer que o funcionalismo tem uma dupla vantagem:
o salário mais alto e a estabilidade.
Rotatividade reduz ganho em empresas
Segundo Breno Braga, economista da Universidade de Michigan
e autor do estudo Escolaridade e diferencial de rendimentos entre o setor
público e o setor privado no Brasil, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (Pnad) 2005, “os funcionários públicos recebem rendimento 24%
maior/por hora do que os setor privado”.
No entanto, Braga explica que “o diferencial de rendimentos
médio por hora de trabalho no setor público decresce com o nível de
escolaridade dos trabalhadores”:
— Esse diferencial é significativamente positivo para
trabalhadores que têm o ensino superior incompleto. Para os que têm ensino
superior completo o diferencial é pequeno, mas ainda favorável ao setor
público. No entanto, o diferencial salarial se torna favorável ao setor privado
quando os trabalhadores têm pós-graduação.
Também autor do artigo, Gustavo Gonzaga, do departamento de
Economia da PUC-Rio, lembra que os mais escolarizados ganham mais no setor
privado, provavelmente, por conta do teto do funcionalismo, que hoje é de R$
26, 7 mil.
— Mas se olharmos a aposentadoria, esse desequilíbrio é
corrigido. No setor privado, uma pessoa que ganha R$ 30 mil vai se aposentar
recebendo o teto, que não chega a R$ 4 mil. No setor público, uma pessoa muito
qualificada não recebe os mesmos R$ 30 mil, mas se aposenta com o salário
integral. Então, se essa pessoa fica no serviço público é porque leva em conta
o salário somado com a aposentadoria — diz Gonzaga, para quem a segurança que o
funcionalismo tem também é um benefício: — Esse rendimento que a estabilidade
traz nem tem como ser medido no emprego privado.
Levando em consideração benefícios previdenciários e FGTS, o
estudo de Braga e Gonzaga aponta que “trabalhadores de todos os níveis de
escolaridade recebem em média maiores rendimentos no setor público”. Os menos
qualificados, aqueles “sem nenhuma escolaridade formal”, recebem em média 37% a
mais do que os trabalhadores na rede privada.
— Durante a era FH, o ajuste fiscal foi feito muito em cima
do funcionalismo e os salários foram achatados. No governo Lula, houve uma
recomposição dos salários. Mas o fato de o funcionalismo ganhar mais não tem
oscilado muito ao longo dos anos — diz Fernando Barbosa.
Para ele, a ação dos sindicatos também contribui para que os
servidores tenham melhores salários:
— O enfraquecimento dos sindicatos é universal, mas no
Brasil, ainda que fracos, eles atuam mais no setor público, pressionam e isso
ajuda a elevar o rendimento.
Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro
de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp, Waldir José de
Quadros lembra que os salários no setor público já são maiores no início da
carreira:
— No setor privado, leva-se anos para ganhar R$ 20 mil e o
trabalhador ainda pode ser trocado a qualquer momento. Agora, se a pessoa fizer
concurso para a Polícia Federal, se for trabalhar no Banco Central ou no
Judiciário, ela começa a carreira ganhando quase R$ 20 mil. No Brasil, neste
momento, o setor privado não tem como competir com o público.
Quadros diz ainda que a alta rotatividade no setor privado
contribui para que os salários sejam menores.
— Quando um profissional começa a ganhar mais, ele é demitido
e o novo funcionário é contratado recebendo menos do que o anterior. É essa
rotatividade que faz o funcionário público receber mais e o piso dele, em
muitos casos, nem é um exagero. A questão é que o setor privado paga pouco,
porque não consegue concorrer, por exemplo, com a produção chinesa, com a
concorrência externa. Além disso, muitos empresários buscam uma margem de lucro
exagerada e não podem criar déficit como o governo porque quebram — diz
Quadros, que estuda o assunto há mais de 30 anos: — Nem sempre foi assim. Na
década de 70, o setor privado pagava mais do que o setor público.
O Globo
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