domingo, 8 de abril de 2012

Tragédia no Bumba completa 2 anos com mais de 300 desabrigados no RJ


Há 730 dias, mais de 3 mil famílias esperam por um novo lar, depois de terem suas casas destruídas ou condenadas pela Defesa Civil, por causa das chuvas de abril de 2010, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio. Dessas pessoas, mais de 300 ainda moram em um abrigo fora do município. A tragédia em Niterói, que causou a morte de 168 pessoas, completa 2 anos neste sábado (7). O local mais emblemático desse drama foi o Morro do Bumba, onde 47 pessoas morreram de uma só vez.

O pequeno João, hoje com 1 ano e 3 meses, chegou no abrigo ainda na barriga da mãe, a artesã Adriana Cláudia Pereira da Silva, de 38 anos. "Vim para cá com três meses de gestação, quando a chuva acabou com a minha casa”, conta ela, que morava no bairro do Viradouro, em Niterói, e é uma das 230 pessoas que ainda tentam reformular a vida em um lugar desconhecido.
A Prefeitura de Niterói optou por levar os desabrigados para o 3º Batalhão de Infantaria do Exército (3º BI), em São Gonçalo, cidade que fica a cerca de 15 km de onde os desabrigados viviam. Segundo a Prefeitura, 303 pessoas continuam no abrigo. Um dos graves problemas dessas famílias é que não é apenas o local onde vivem que mudou, mas também os vizinhos em volta, a escola do filho, o hospital municipal, que não aceita moradores de outra cidade; ou o emprego que ficou longe e é preciso gastar mais com transporte.
"Não conseguia usar o posto médico porque não aceitavam o nosso endereço, só agora é que estão aceitando. Minha vida é toda em Santa Rosa, para ir para lá tem que gastar duas conduções", explicou a artesã.
O pequeno João estava na barriga da mãe durante as chuvas e nasceu no abrigo onde vive até hoje (Foto: Carolina Lauriano / G1)


A dona de casa Patrícia Vaz voltava de uma entrevista de emprego, quando falou ao G1, na porta do abrigo de São Gonçalo. "Não vou poder pegar a vaga em Niterói, porque não tem com quem deixar meus filhos. Eu morava em Santa Rosa, deixava com vizinhos. Estou muito longe de onde eu morava. Não quero mais isso aqui", desabafou ela, contando que há 2 anos não consegue um emprego fixo.
Segundo a Secretaria estadual de Assistência Social, o governo paga o aluguel social no valor de R$ 400 a 3.100 famílias. Em janeiro, o pagamento foi prorrogado pela segunda vez, por mais 12 meses, ou seja, até 2013.

Segundo a secretaria, o atraso na obra foi devido à descoberta de uma galeria pluvial que precisou ser refeita.
Apartamentos

Em frente ao que foi o cenário mais triste durante todo aquele mês, o governo do estado do Rio constrói um conjunto habitacional, com 180 apartamentos. A promessa, segundo a Secretaria estadual de Obras, é de que eles sejam entregues na primeira quinzena de abril. Mas ainda não se sabe quem, dos mais de três mil que perderam a casa, poderá ocupar os prédios.
“A prefeitura nunca apareceu para nos dar satisfação nenhuma se está construindo casa, quando que a gente vai sair daqui, em quanto tempo, nada. Tudo o que a gente sabe é através do jornal, da televisão, da revista. Só mandaram assistente social uma única vez. Ela conversou em grupo, disse que ia voltar, mas nunca mais voltou. Até hoje a gente não sabe quem vai morar nos 180 apartamentos”, conta Adriana, com o filho nos braços.
De acordo com a prefeitura, famílias chefiadas por idosos ou com deficientes físicos têm prioridades.
Além desses apartamentos, a prefeitura afirmou que estão em construção 454 unidades no Fonseca. A expectativa é de que essas unidades estejam concluídas até dezembro deste ano.
Para a dona de casa Lúcia Regina, abrigo é provocou a eprda da auto-estima das pessoas (Foto: Carolina Lauriano / G1)
Fábrica de delinquentes
Bem informada e sensata, a dona de casa Lúcia Regina da Silva Penha, de 50 anos, também vive no abrigo, com a avó, um neto e dois filhos. A casa dela, atingida pela enchente, ficava no bairro Fonseca. Lúcia aborda uma questão pouco falada entre as vítimas das chuvas.
"Aqui tem gente que perdeu a autoestima, se perdeu. Pessoas que perderam sua identidade, pessoas que tinham uma estrutura emocional que já não têm mais. Eu acho que eles (governantes) estão mais usando a gente para se promover, para em um momento de eleição, campanha, dizer "eu fiz isso" "eu fiz aquilo". Nós não somos cobaias, nós queremos respeito e dignidade. Me trate como um ser humano, não como bicho. Aqui as pessoas estão com a mente vazia, a vida ficou parada, estão sem certeza, perdeu o seu lar. Acho que o abrigo está sendo uma fábrica de delinquentes. Eles (governantes) estão facilitando. Se já tivessem dado as casas, muita coisa não estaria acontecendo", disse Lúcia.
Os atingidos pelas chuvas afirmam que não têm acesso à informação e ainda não possuem outra opção senão se mudar para um novo conjunto habitacional. Para Lúcia Regina, deveria haver propostas alternativas, como a aquisição assistida - quando a prefeitura acompanha o processo de compra de outro imóvel.
“Acho que tem que ter a opção de ir e vir. Eu, por exemplo, não gosto de apartamento, sempre morei em casa. Mas eles não dão a opção de você escolher. Eles vão construir e eu não quero comprar. Quando você vai comprar uma casa, você avalia os vizinhos, para ver se aquele local vale a pena. Queremos um lar não imposto”, explicou.
A dona de casa acredita que faltam esforços para o fim das obras, já que uma construtora termina um novo prédio em menos de um ano. “O que eu estou questionando é eles se beneficiarem disso para se promover em cima da nossa desgraça, a falta de interesse em solucionar, porque são 2 anos. Depois disso, no Japão, em meses resolveram a tragédia, porque houve interesse da sociedade”, disse ela, lembrando do tsunami que devastou o Japão. “Eles (governantes) não podem reclamar pelos ladrões, pelos bandidos, porque quem está criando isso são eles”, completou.
Em frente ao Bumba, rpefeitura promete entregar 180 apartamentos ainda este mês (Foto: Carolina Lauriano / G1)
Mais de 70 inquéritos do MPSegundo os moradores, as conquistas naquele abrigo – como limpeza, segurança e melhoria na alimentação - foram realizadas através do Ministério Público, órgão que já instaurou cerca de 70 inquéritos civis, sendo que 40 viraram ações. No mesmo ano do deslizamento, de acordo com o promotor Luciano Mattos, o MP exigiu do município a execução de medidas de contenção, reparação desses locais e também o mapeamento de área de risco. Até a presente data, nada disso foi feito, apesar de as liminares serem em caráter emergencial.
“A prefeitura recorreu de todas as ações. O relator deu mais 180 dias. Estou torcendo para que não aconteça outra tragédia. Aguardamos o julgamento do mérito”, disse o promotor. “Tem que ter um plano geral para a cidade, isso a Lei Orgânica em 92 mandava fazer em 2 anos”, completou.

Para o MP, houve omissão municipal. “O município de Niterói viveu período de extrema relevância, passou sérias dificuldades, mas tem recebido o apoio dos demais entes federativos e não está promovendo o que determina a lei, executando pura e simplesmente medidas pontuais de assistência social e de defesa civil, sem elaborar os planos de prevenção e contenção de encostas”, diz o texto da ação.
Em relação ao Morro do Abílio, outro ponto onde houve deslizamentos em Niterói, o procurador alegou que vai pedir a intimação pessoal do prefeito da cidade, Jorge Roberto Silveira, e do presidente da Empresa Municipal de Moradia, Urbanização e Saneamento (Emusa), José Roberto Vinagre Mocarzel, sob pena de aplicação de multa. “Uma das saídas é essa, responsabilizar o gestor publico”, explicou ele, após listar todo o imbróglio judicial.
A prefeitura de Niterói afirmou, em notas, que a Emusa concluiu 53 obras de contenções de encosta e drenagem. Outras 17 estão em andamento. A prefeitura afirma ainda que “continua aguardando as verbas solicitadas para o governo federal e estadual para a realização de outras intervenções na cidade”. Em relação ao mapeamento das áreas de risco, a prefeitura de Niterói alega que criou uma subsecretaria de Geotecnia e “o trabalho está sendo feito conjuntamente com visitas de campo dos técnicos de geotecnia associados à avaliação dos índices pluviométricos que podem ocorrer nessas áreas”.
g1

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