Com cerca de 500 mil presos, o Brasil tem a quarta maior
população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado. O deficit de
vagas (quase 200 mil) é um dos principais focos das críticas da ONU sobre
desrespeito a direitos humanos no país.
Ao ser submetido na semana passada pela Revisão Periódica
Universal – instrumento de fiscalização do Alto Comissariado de Direitos
Humanos da ONU -, o Brasil recebeu como recomendação “melhorar as condições das
prisões e enfrentar o problema da superlotação”.
Segundo a organização não-governamental Centro Internacional
para Estudos Prisionais (ICPS, na sigla em inglês), o Brasil só fica atrás em
número de presos para os Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhão) e
Rússia (740 mil).
De acordo com os dados mais recentes do Depen (Departamento
Penitenciário Nacional), de 2010, o Brasil tem um número de presos 66% superior
à sua capacidade de abrigá-los (deficit de 198 mil).
“Pela lei brasileira, cada preso tem que ter no mínimo seis
metros quadrados de espaço (na unidade prisional). Encontramos situações em que
cada um tinha só 70 cm quadrados”, disse o deputado federal Domingos Dutra
(PT-MA), que foi relator da CPI do Sistema Carcerário, em 2008.
FALTA DE CONDIÇÕES
Segundo ele, a superlotação é inconstitucional e causa
torturas físicas e psicológicas.
“No verão, faz um calor insuportável e no inverno, muito
frio. Além disso, imagine ter que fazer suas necessidades com os outros 49
pesos da cela observando ou ter que dormir sobre o vaso sanitário”.
De acordo com Dutra, durante a CPI, foram encontradas
situações onde os presos dormiam junto com porcos, no Mato Grosso do Sul, e em
meio a esgoto e ratos, no Rio Grande do Sul.
Segundo o defensor público Patrick Cacicedo, do Núcleo de
Sistema Carcerário da Defensoria de São Paulo, algumas unidades prisionais
estão hoje funcionando com o triplo de sua capacidade.
Em algumas delas, os presos têm de se revezar para dormir,
pois não há espaço na cela para que todos se deitem ao mesmo tempo.
“A superlotação provoca um quadro geral de escassez. Em São
Paulo, por exemplo, o que mais faz falta é atendimento médico, mas também há
(denúncias de) racionamento de produtos de higiene, roupas e remédios”, disse à
BBC Brasil.
VIGILÂNCIA
Porém, abusos de direitos humanos não ocorrem somente devido
ao déficit de vagas.
Em todo país, há denúncias de agressões físicas e até
tortura contra detentos praticadas tanto por outros presos quanto por agentes
penitenciários.
“No dia a dia, recebemos muitas denúncias de agressões
físicas, mas é muito difícil provar, pelo próprio ambiente (de isolamento).
Quando a denúncia chega e você vai apurar, as marcas (da agressão na vítima) já
sumiram e não há testemunhas”, afirmou Cacicedo.
O número de mortes de detentos nos sistemas prisionais não é
divulgado pelos Estados, segundo o assessor jurídico da Pastoral Carcerária,
José de Jesus Filho.
“O sistema penitenciário é opaco, uma organização
(não-governamental) já tentou fazer esse levantamento, mas não conseguiu.”
Segundo o deputado Dutra, o ambiente geral desfavorável aos
direitos humanos no sistema prisional do país foi o que possibilitou o
surgimento de facções criminosas.
Entre elas estão o Comando Vermelho e o Terceiro Comando, no
Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo, que hoje operam
as ações do crime organizado dentro e fora dos presídios.
DEFENSORES
Outra recomendação explícita feita pelo grupo de 78
países-membros durante a sabatina na ONU foi a disponibilização permanente de
defensores públicos em todas as unidades prisionais do país.
Uma das funções deles seria acelerar a apuração de abusos de
direitos humanos contra presos.
Outros papeis seriam oferecer assistência jurídica para que
os detentos não fiquem encarcerados após acabar de cumprir suas penas ou tenham
acesso mais rápido ao sistema de progressão penitenciária (regime semiaberto ou
liberdade assistida) – o que ajudaria a reduzir a superlotação.
Mas o país ainda está longe dessa realidade. Só em São
Paulo, um dos três Estados com maior número de defensores, o atendimento a
presos nas unidades prisionais é feito por meio de visitas esporádicas.
De acordo com Cacicedo, apenas 29 das 300 comarcas do Estado
têm defensoria. Além disso, só 50 dos 500 defensores se dedicam ao atendimento
dos presos.
O Estado, no entanto, possui 151 unidades prisionais da
Secretaria de Administração Penitenciária (sem contar as cadeias públicas
subordinadas à Secretaria de Segurança Pública.)
SOLUÇÕES
Segundo Jesus Filho, os problemas não são resolvidos em
parte devido ao perfil da maioria dos detentos.
Um levantamento da Pastoral Carcerária mostra que a maior
parte tem baixa escolaridade, é formada por negros ou pardos, não possuía
emprego formal e é usuária de drogas.
Domingos Dutra diz que uma possível solução para reduzir a
população carcerária seria o emprego de detentos em obras públicas e estímulo
para que eles estudem durante a permanência na prisão.
A legislação já permite que a cada três dias de trabalho um
dia seja reduzido da pena total. Mas, segundo Dutra, nem todos os governos
estaduais exploram essa possibilidade.
BBC Brasil
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