quarta-feira, 20 de março de 2013

De Bagdá a Mogi das Cruzes: refugiado conta como fugiu de guerra


Bahá Ghazi Shahin  (Foto: Cortesia Acnur/ BBC)Refugiado Bahá Ghazi Shahin
(Foto: Cortesia Acnur/ BBC)
"Quem estava lá não sabia que hora poderia morrer, não sabia se alguém iria entrar em sua casa para te pegar, se iriam matar você na rua. Foi uma época horrível". É assim que Bahá Ghazi Shahin descreve o período que se seguiu à invasão dos Estados Unidos ao Iraque, em março de 2003.
Filho de refugiados palestinos que se estabeleceram no Iraque após a criação do Estado de Israel, Shahin conta que, antes da invasão, tinha uma vida "tranquila" em Bagdá. Proprietário de uma fábrica de doces, vivia perto de seu pai e irmãos.
"Tinha muita coisa legal", lembra Shahin, que estava com 23 anos na época da invasão.
Mas tudo acabaria mudando com a chegada das primeiras tropas americanas ao país.
"Os Estados Unidos entraram no Iraque e acabou, não tinha mais polícia, não tinha mais ninguém. Os americanos, quando escutavam um tiro, atiravam em todo mundo na frente deles, tanto fazia".
Foi ouvindo o noticiário da BBC pelo rádio que ele soube que a ONU preparava dois acampamentos para receber iraquianos que estivessem fugindo do conflito e palestinos vítimas da crescente violência sectária no país.
Junto com um irmão, partiu em direção à Jordânia, onde, após alguns dias de espera na fronteira, conseguiu ser admitido no acampamento de Ruweished, que seria sua casa por quatro anos.
Jordânia
Mas, se as coisas estavam difíceis no Iraque, a vida no acampamento também não seria fácil. Abrigados em barracas, eles tinham cotas diárias para o uso de água e estavam expostos às intempéries do deserto. Além disso, seu pai, que saiu de Bagdá pouco depois, não conseguiu ser admitido na Jordânia e se refugiou em outro acampamento, perto da fronteira. Eles só iriam se reencontrar após quase três anos.

"Imagina ficar anos no deserto, (em um acampamento) fechado. Quatro anos em uma barraca. Lá, quando era frio, era frio demais, quando era calor, era calor demais", diz Shahin, que afirma ter enfrentado incêndios, chuvas e tempestades de areia no acampamento.
Cansados, ele e outros refugiados chegaram inclusive a fazer greves em protestos contra as condições no local. Foi quando o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur) propôs que Shahin se estabelecesse em um país novo, a mais de 10 mil quilômetros dali: o Brasil
Shahin foi um dos 108 refugiados de origem palestina que desembarcaram no Brasil em 2007 como parte do Programa de Reassentamento Solidário, do governo federal e Acnur.
Junto com seu pai, madrasta e irmãos, ele se estabeleceu na cidade de Mogi das Cruzes, na região metropolitana de São Paulo. Outros refugiados foram reassentados no interior do Rio Grande do Sul.

Além de proteção legal, o programa oferecia aos refugiados uma série de benefícios por um período de dois anos. Faziam parte do pacote ajuda financeira, o aluguel de casas mobiliadas, além de aulas de português e outros serviços.
Mesmo assim, a integração foi difícil. Sem saber falar português, Shahin ficou meses em casa, sem trabalho. "Fiquei nervoso. Depois pensei, não posso ter vergonha, tenho que falar, mesmo que for para falar errado".
Tomou coragem e tentou retomar o antigo negócio, vendendo doces no bairro de Santo Amaro, na capital paulista. "Mas não deu certo, eu ainda não sabia falar bem e tinha que vender, conversar", diz.
De volta a Mogi, ele vendeu alguns pertences e assumiu uma loja de brinquedos e artigos populares vendidos a R$ 1,99. Mais uma vez, os negócios não foram bem e ele foi obrigado a encerrar as atividades.
Em 2009, ele resolveu mudar totalmente de ramo. No lugar dos doces árabes ou brinquedos populares, ele decidiu comercializar quadros, enfeites e outros artigos de decoração. Com ajuda de empréstimos e financiamentos, abriu a loja Rosa da Palestina, no centro de Mogi das Cruzes, onde trabalha atualmente.
O futuro, os altos e baixos dos negócios e a situação financeira da família agora são a maior preocupação de Shahin. Mas uma nova reviravolta em sua vida deve acontecer nas próximas semanas, dez anos depois da invasão do Iraque.
Sua mulher, uma brasileira, está grávida de seu primeiro filho. O bebê será uma menina e já tem nome: Aisha.
G1

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