Os seres humanos costumam desejar ardentemente a mudança,
mas possuem um arraigado e poderoso receio dela.
Não por acaso, Thoreau observou que “muitos homens vivem
vidas de silencioso desespero”. A espécie humana é dotada da faculdade de
pensar e sonhar, por isso eventualmente se dá conta de que vive aquém do que
gostaria e elabora fantasias sobre como aproveitar melhor sua existência na
Terra. Essa crônica insatisfação poderia ser o gatilho da liberdade, mas na
verdade costuma provocar angústias colossais quando bate de frente com uma
característica atávica: o irracional medo da mudança. Ou, dito de outra forma,
o medo do arame farpado.
Esqueçam fantasmas, feras selvagens, aranhas ou tsunamis. A
entidade que mais provoca medo em seres humanos é o arame farpado.
Por força das
circunstâncias, quase todos os homens e mulheres deslizam para uma vida de
acomodação; para uma atividade, um emprego ou um casamento que não lhes ofereça
grandes riscos mas também não lhes proporcione grandes emoções.
Uma metáfora perfeita para esta situação é a do cercado com cobertura, rodeado por uma
espessa cerca de arame farpado. O animal preso neste cercado tem um local onde
se abrigar da chuva, do frio e do calor. Recebe um mínimo necessário de comida
e água para sobreviver. Dentro do cercado, está seguro do ataque de predadores,
não morrerá de inanição, de frio ou calor. No entanto, através das frestas do
arame farpado pode ver o mundo imenso
que há lá fora, com suas planícies e rios, colinas e caminhos para
trilhar, o sol a se por sobre montanhas,
o cheiro da brisa do mar. Com estes estímulos, é possível sonhar uma vida
melhor, mais rica, mais emocionante, mais plena.
E o animal cercado sonha. Nos sonhos, tudo é perfeito. Fora
do cercado, andará descalço às margens dos rios… frutas e animais silvestres
lhe darão sustento, verá praias de sonho e ouvirá o som plácido de uma floresta
ao entardecer. Encontrará outros de sua espécie, poderá correr, saltar e dançar
sobre a grama. Mas ao baixar os olhos percebe que não será fácil atravessar o
arame farpado… não sem graves ferimentos e arranhões. E, tal qual a raposa
frente às uvas que não pode alcançar, começa a imaginar os obstáculos, os
óbices: e se lá fora não houver comida? E se os animais selvagens vierem a seu
encalço? E se a neve o soterrar no inverno e o sol o esturricar no verão?
Eis que estremece, vislumbra o fio do arame apontado para
si… o fio que vai cortar a carne, que vai roubar-lhe o sangue e deixar
cicatrizes longas e duradouras. O arame farpado grita, e o animal resigna-se a
voltar para a palha do cercado. Ali… ora, ali a comida é quase intragável, mas
não falta. O teto é horrendo, mas protege da chuva. Ali os leões e lobos não
podem entrar. Acomodemo-nos, é mais seguro. O animal então adormece,
amedrontado demais para sequer imaginar uma forma de fugir.
Fonte:Polifonias
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