quinta-feira, 23 de maio de 2013

Pacientes do Norte e Nordeste vão ao interior de SP para tratar câncer


Rosemar foi diagnosticada com carcinoma de base de língua (Foto: Fernanda Testa/G1)
As vidas de Rosemar Rodrigues Barbosa, de 25 anos, e de Jaciara de Lima Cosmo, de 18 anos, fogem totalmente da rotina de qualquer outra jovem mulher. Moradoras de Vilhena (RO) e Sousa (PB), respectivamente, as duas se deslocaram para Ribeirão Preto (SP) no começo de 2013 com o mesmo objetivo: buscar tratamento para o câncer. Pacientes no Hospital das Clínicas (HC), Rosemar e Jaciara fazem parte dos 6% dos atendimentos do hospital que contemplam pessoas fora do eixo da cobertura regional da instituição. Ambas começaram o tratamento no hospital menos de 20 dias após o diagnóstico da doença.
O Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto recebe, a cada ano, cerca de 3,5 mil novos pacientes em tratamento contra o câncer.
Rosemar sofre de um carcinoma de base de língua - um tipo de câncer que ataca a língua e a região do pescoço. Ela teve o diagnóstico da doença já em Ribeirão Preto, no dia 14 de fevereiro, e começou o tratamento sete dias depois, no dia 21 de fevereiro. A trajetória da paciente até chegar a Ribeirão, no entanto, foi árdua. "Tudo começou com uma afta, em outubro do ano passado. Eu estava em Vilhena ainda. Fui à farmácia, comprei remédios para fazer bochecho e a ferida sumiu. Mas depois voltou tudo de novo. Eu ia a vários médicos na rede pública, mas todos diziam que era só uma afta e me receitavam antibióticos", lembra.
O médico solicitou uma biópsia à paciente. "Ele disse que iria viajar, e que quando ele voltasse era para eu passar por ele.  Ele me encaminharia para internação caso fosse um tumor", diz. Um dia antes de fazer o exame, Rosemar foi atendida por outro profissional, amigo de sua chefe. "Esse médico era um dentista especializado em cirurgia de cabeça e pescoço. Ele disse que meu caso era muito sério e que eu não podia ficar em Vilhena. Ele me deu um encaminhamento para ir para o hospital. Fiquei três dias esperando uma vaga em Porto Velho, mas não consegui. Foi aí que ele me aconselhou a  procurar outro lugar, porque em Porto Velho não havia nem previsão de fazer a biópsia", conta.De médico em médico, Rosemar passou três meses com o problema, que nunca melhorava. Em janeiro deste ano, recebeu um encaminhamento para uma consulta com um otorrinolaringologista. "Fiz um tratamento no otorrino por 10 dias e não melhorou. Foi aí que ele disse que poderia ser um tumor. A ferida estava aumentando e a minha língua foi inchando. Eu tinha até dificuldade para falar", afirma.
Ainda sem confirmação da doença, Rosemar pensou em procurar tratamento em Barretos (SP). "Uma parente de uma amiga mora em Ribeirão, e eu consegui ficar hospedada na casa dessa mulher. Eu iria passar a noite em Ribeirão e ir para Barretos. Cheguei no dia 1º de fevereiro. Só que cheguei a Ribeirão muito mal, e já tive que ir a um pronto-socorro", diz. No dia 3 de fevereiro, Rosemar passou mal novamente. "Passei por três médicos, que me avaliaram e pediram minha internação no HC. Fui internada na segunda-feira, 4, fiz a biópsia, e no dia 14 de fevereiro constatou-se o câncer", afirma.
Rosemar deixou Roraima e veio em busca de tratamento no HC de Ribeirão (Foto: Fernanda Testa/G1)
Após a confirmação da doença, Rosemar passou ainda por exames de ressonância na garganta para detectar se o câncer já havia afetado as cordas vocais. No dia 21 de fevereiro, data da primeira consulta na oncologia, a paciente já foi encaminhada para a quimioterapia. "Eu estava muito debilitada. Naquele dia eu já fiz a primeira sessão. Não conseguia me alimentar, tiveram que colocar sonda", lembra. Após as três primeiras sessões de quimioterapia, a paciente começou a combinar o tratamento com radioterapia.
"Hoje me sinto muito bem. Desde a primeira sessão de quimioterapia eu estou bem melhor. Convivo com pessoas agora que passam pela mesma situação. Não tenho o que reclamar sobre o hospital. O atendimento é ótimo. Somos bem acolhidos em tudo. Tenho muito a agradecer a todo mundo que me ajudou em Ribeirão. Se eu ficasse lá (em Vilhena) mais tempo, eu não estaria mais aqui hoje", diz.
Em Ribeirão Preto, Jaciara recebeu o diagnóstico de um linfoma Hodgkin (Foto: Fernanda Testa/G1)
Pela segunda vez
Com apenas 18 anos, é a segunda vez que Jaciara enfrenta o câncer. Em 2011, aos 16 anos, ela foi diagnosticada com um linfoma não Hodgkin, tipo de câncer que afeta o sistema imunológico do paciente. O primeiro tratamento aconteceu em um hospital de São Paulo (SP), onde a doença foi diagnosticada. Jaciara passou por sessões de quimioterapia de julho a novembro de 2011. Voltou para Sousa (PB), continuou com acompanhamento de um hematologista, até que em setembro de 2012 começou a sentir dores pelo corpo.

"Eram dores no quadril, que vinham à noite, sempre quando estava dormindo. O hematologista disse para aguardar um pouco, e que se a dor persistisse era para eu comunicá-lo. Nesse intervalo procurei uma reumatologista, que disse que eu estava com um desvio na perna. Ela me passou uma medicação para tratar o problema. A dor até aliviou, mas depois que eu parei a medicação as dores voltaram, e voltaram mais fortes. Falei com a médica, disse que já tinha tido o câncer, mas ela disse que não tinha chance nenhuma de ser a doença de novo", afirma.
De volta ao hematologista, Jaciara fez um exame de pet scan, uma tomografia que avalia as condições dos orgãos e tecidos do paciente. "Fiz o exame no dia 27 de dezembro. No dia 30, saiu o resultado de que a doença havia voltado. Foi muito difícil. Minha mãe ficou muito nervosa. Mas eu disse para acreditarmos, porque a fé continua. Já consegui vencer uma vez", diz.
O médico de Jaciara a encaminhou para outro hematologista, que sugeriu que ela procurasse o tratamento para o câncer no HC em Ribeirão. "Esse novo médico disse que meu caso era para transplante. E falou sobre o tratamento em Ribeirão. Disse que era muito bom, que tinha todo o recurso necessário para o meu caso", afirma.
Jaciara deu entrada no HC no dia 18 de janeiro. Conversou com médicos, que pediram o material da biópsia que ela havia feito em 2011, em São Paulo. Após a análise do material, veio a notícia. "Eles me disseram que o meu linfoma não era um linfoma não Hodgkin. Era um linfoma Hodgkin. Eu me tratei de um câncer que na verdade eu não tinha. Cada sessão de quimioterapia que eu fazia na época, eram três dias internada. Aqui em Ribeirão eu faço as sessões e posso voltar para casa. Com esse novo resultado, talvez eu não precise mais  fazer o transplante", diz.
Jaciara - ao lado da mãe Josefa Patrícia Lima - saiu de Sousa (PB) para tratar o câncer (Foto: Fernanda Testa/G1)
O novo tratamento dá esperanças não só a Jaciara, mas a sua mãe, Josefa Patrícia de Lima, de 39 anos. "O hospital é excelente. O atendimento é bom, os médicos dão a assistência que precisamos. Não temos palavras para agradecer. Eu já vi minha filha muito mal. Hoje tenho muita fé e confiança nesses médicos", afirma.
Atendimento 
Segundo o coordenador de radioterapia do HC, Harley Francisco de Oliveira, o hospital é autorizado a receber até 6% de pacientes oriundos de regiões que ultrapassam a cobertura da instituição. "Apesar de o Estado custear o atendimento do HC, o sistema é único. Ele contempla que todo o cidadão tem direito ao atendimento gratuito. Somos obrigados pela lei maior do país a atender esses pacientes", afirma.

Após a determinação do governo federal de que todos os hospitais que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) devem iniciar o tratamento do câncer em, no máximo, 60 dias após o diagnóstico, Oliveira acredita que o volume de pacientes de outros estados possa vir a diminuir no hospital. "As instituições de outros estados vão ser mais pressionadas para se organizarem daqui para a frente. O que se espera, com essa lei, é que os pacientes não precisem mais sair de seus estados para conseguirem um atendimento de qualidade", afirma.
Segundo levantamento feito com pacientes de câncer de mama do HC em 2011, o tratamento oncológico era feito, em média, 47 dias após o diagnóstico da doença. Isso coloca o hospital dentro das determinações da lei, que valem a partir desta quinta-feira (23). No entanto, de acordo com Oliveira, o que deve ser levado em consideração não é só o início do tratamento, e sim a realização de todos os serviços a partir desse primeiro atendimento.
"O que vai acontecer é que os hospitais vão conseguir atender os pacientes em 60 dias. No entanto, vai haver uma fila interna dentro dos hospitais para o passo a passo dos procedimentos. No HC, por exemplo, o gargalo está na ressonância magnética, na radioterapia e no centro cirúrgico. Para fazer uma sessão de radioterapia, é preciso esperar 4 semanas na fila. E isso não acontece só em Ribeirão, mas em todo o Brasil. Será preciso rever a organização e a administração dos hospitais como um todo", explica.
G1pb

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