sábado, 25 de janeiro de 2014

'Pouco mudou', diz pai ao chegar a congresso que marca 1 ano da Kiss

Adherbal Ferreira falou com a imprensa na chegada ao congresso (Foto: Estêvão Pires/G1)
É no Centro Universitário Franciscano (Unifra), a poucas quadras do local de uma das maiores tragédias do país, que pais de vítimas, sobreviventes, especialistas e autoridades começam na manhã deste sábado (25) o 1° Congresso Internacional Novos Caminhos - A Vida em Transformação, em Santa Maria, Região Central do Rio Grande do Sul. O evento se estende até segunda-feira (27), quando o incêndio da boate Kiss, que deixou 242 mortos, completa um ano.

"Por isso, o congresso. Estive nos Estados Unidos recentemente e notei as diferenças claras. Lá há uma cultura que ainda não existe aqui", completou. Adherbal decidiu realizar o congresso após passar uma semana na cidade americana de West Warwick, onde um incêndio consumiu uma casa noturna há cerca de 10 anos.Na chegada à universidade, o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Adherbal Alves Ferreira, resumiu o tom que deve predominar, ao menos, nas manifestações dos parentes. "Pouca coisa mudou", disse ao G1 o idealizador do congresso.
O congresso promete ter momentos polêmicos quando o responsável pela investigação no âmbito da Polícia Civil, delegado Marcelo Arigony, tomar o microfone para participar de uma das atividades. A ausência de responsabilização de agentes públicos no processo sobre a tragédia deverá estar em pauta.
Na abertura, haverá uma solenidade, na qual será lido um discurso enviado pelo diretor do Centro de Excelência para Redução de Desastres da ONU, David Stevens. Em seguida será o momento de abordar o eixo "psicologia", que também fundamenta o congresso. Caberá ao palestrante motivacional Carlos Pozzobon, morador de Santa Maria, a condução de uma palestra sobre o tema.
Atos culturais, que tentam expor a simbologia da tragédia e da superação, e duas palestras sobre segurança e prevenção de incêndio fecham as atividades deste sábado. O dia também será marcado pela exibição inédita da primeira parte do documentário "Janeiro 27", o qual terá a presença de um dos produtores da obra, Luiz Alberto Cassol.
Mãe de vítima, Marta Beurer cumprimenta outros pais no auditório (Foto: Estêvão Pires/G1)
Cata-ventos e abraços
O congresso também proporciona aos familiares das vítimas momentos de reflexão e confraternização para compartilhar angústias comuns. Na porta que dá acesso ao auditório, Marta Beurer cumprimentava outros pais que ocupavam o auditório da universidade. Com um pequeno pingente no peito com a foto do filho, Sílvio, morto no incêndio, ela distribuía aos inscritos no congresso guloseimas e pequenos cata-ventos de papel.

"O cata-vento tem várias simbologias: energia, movimento, esperança. Significa o vento que sopra", explicou. Marta se nega a usar o termo "superação" ao comentar os objetivos do congresso de trazer efeitos psicológicos benéficos a Santa Maria. "Enquanto não houver justiça, por exemplo, não há como pensar em superação. Mas o termo me incomoda, pois não devemos superar a morte  mas assimilá-la", afirmou.
"Aproveitei o congresso para expor o debate. Questiono, por exemplo, onde está o prefeito (de Santa Maria, César Schirmer, PMDB) nesses debates. Em outros que fui, teve até mesmo gente da banda (Gurizada Fandangueira). Quem é acusado vem, mas ele não". Na programação do congresso, não está prevista a presença do chefe do executivo municipal. "Receberei benefício até o dia 20 de março. Quero voltar a trabalhar, mas não sei se vou conseguir."Também posicionado na porta de acesso ao auditório, o técnico em telefonia Jorge Alberto dos Santos Nunes mantinha esticado um cartaz com a inscrição "A corrupção, a improbidade pública e a ganância interrompem seus sonhos". Ele está desde junho sem trabalhar, após um laudo da Previdência Social apontar que um quadro de depressão lhe deixou incapacitado para atividades laborais. Ele perdeu a filha Rafaela, de 18 anos, no incêndio.
Crianças fantasiadas levam um pouco de alegria durante o congresso (Foto: Estêvão Pires/G1)
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. A tragédia matou 242 pessoas, sendo a maioria por asfixia, e deixou mais de 630 feridos.

O fogo teve início durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira e se espalhou rapidamente pela casa noturna, localizada na Rua dos Andradas, 1.925.
O local tinha capacidade para 691 pessoas, mas a suspeita é que mais de 800 estivessem no interior do estabelecimento. Os principais fatores que contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, são: o material empregado para isolamento acústico (espuma irregular), uso de sinalizador em ambiente fechado, saída única, indício de superlotação, falhas no extintor e exaustão de ar inadequada.
Ainda estão em andamento dois processos criminais contra oito réus, sendo quatro por homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio, e os outros quatro por falso testemunho e fraude processual. Os trabalhos estão sendo conduzidos pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada. Sete bombeiros também estão respondendo pelo incêndio na Justiça Militar. O número inicial era oito, mas um deles fez acordo e deixou de ser réu.
Entre as pessoas que respondem por homicídio doloso (com intenção), na modalidade de "dolo eventual", estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr (Kiko) e Mauro Hoffmann, além de dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano Bonilha Leão. Os quatro chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio, mas a Justiça concedeu liberdade provisória aos quatro em maio do ano passado. Entre os bombeiros investigados, está Moisés da Silva Fuchs, que exerceu a função de comandante do 4° Comando Regional de Bombeiros (CRB) de Santa Maria.
Atualmente, a Justiça está em fase de recolher depoimentos dos sobreviventes da tragédia. O próximo passo será ouvir testemunhas. Os réus serão os últimos a falar sobre o incêndio ao juiz. Quando essa fase for finalizada, Louzada deverá fazer a pronúncia, que é considerada uma etapa intermediária do processo.
Se o magistrado "pronunciar" o réu, ele vai a júri (a pronúncia é a ordem para ir a júri). Outra possibilidade é a chamada desclassificação, quando o juiz não manda o réu para júri, mas reconhece que houve algum tipo de crime. Nesse caso, a causa será julgada sem júri. Também existe a chance de absolvição sumária dos réus. Em todas as hipóteses, cabe recurso.
No âmbito das investigações, três delas estão sendo conduzidas pela Polícia Civil. Além dos documentos sobre as licenças concedidas à boate Kiss, um inquérito apura as atividades da empresa Hidramix, responsável pela instalação de barras antipânico na boate, e outro analisa uma suposta fraude no documento de estudo de impacto na vizinhança do prédio onde ficava a casa noturna. O Ministério Público, por sua vez, investiga as responsabilidades de servidores municipais na tragédia.
G1

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