sexta-feira, 21 de março de 2014

Bônus ‘regional’ faz UFPA concentrar as 11 maiores notas de corte do Sisu

Com ou sem bônus, Igor Cerejo teve a nota mais alta da UFPA tanto no Sisu quanto no vestibular tradicional (Foto: Gil Sóter/G1)
Neste ano, a UFPA decidiu entrar pela primeira vez no Sisu, mas com cautela: além de oferecer menos de 15% de suas vagas pelo sistema do MEC, a instituição decidiu dar aos candidatos do Sisu que fizeram o ensino médio em um estado da região Norte um bônus de 10% na nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).Um bônus adotado pela Universidade Federal do Pará (UFPA) para alunos da região Norte acabou "inflando" a nota de corte da maioria de seus cursos na edição do primeiro semestre de 2014 do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), fazendo com que a instituição do Pará, estreante no sistema do MEC, ficasse com 11 das maiores notas de corte do país.
O estudante de medicina Igor Cerejo, de 18 anos, recebeu o bônus regional, mas, para ele, isso não fez diferença. O jovem foi aprovado em primeiro lugar geral na UFPA duas vezes: sua nota foi a maior no Sisu e no vestibular tradicional (chamado de Processo Seletivo pela instituição). "Não lembro de cabeça, mas acho que a minha nota aumentou aproximadamente 80 pontos (na UFPA)", explica o jovem calouro.
O bônus é uma forma de ação afirmativa como a cota, mas, em vez de separar um número de vagas para que os beneficiados concorram só entre si, ele aumenta a nota dos beneficiados para que eles possam concorrer com todos os demais candidatos em situação menos desvantajosa. O objetivo do bônus da UFPA foi evitar que os estudantes locais não pudessem concorrer de igual para igual com candidatos de outras regiões do Brasil e, assim, a maior parte das vagas fosse preenchida por "forasteiros".G1 obteve com exclusividade os dados do Ministério da Educação via Lei de Acesso à Informação, e publica, desde quarta-feira (19) até esta sexta (21), uma série de reportagens sobre o desempenho de cotistas no Sisu 2014 (veja ao lado todas as reportagens publicadas).
O resultado dessa política funcionou: neste semestre, 1.019 das 7.595 vagas da UFPA foram preenchidas por meio do Sisu e, segundo dados da própria instituição, 97% dos candidatos aprovados no sistema do MEC na primeira chamada foram alunos do Norte (95% deles estudaram no Pará).
Dos 30 cursos com as maiores notas de corte do Brasil, 17 foram da UFPA – todos exigiram pontuações superiores a 800. Mas as notas altas para conseguir aprovação na primeira chamada foram exigidas em todos os cursos, desde os tradicionalmente concorridos até os de menor demanda. Considerando apenas as notas dos não cotistas, dos 127 cursos da UFPA que participaram do Sisu, 28 tiveram nota de corte acima de 800 pontos, e apenas dez exigiram menos de 700 pontos dos candidatos que passaram na primeira lista de selecionados.
A menor nota de corte da universidade para a ampla concorrência foi 669,55, para o curso de ciências naturais, quase 170 pontos acima da menor nota de corte da primeira chamada registrada em todo o Sisu. Para efeitos de comparação, mesmo que os 10% de bônus fossem retirados da nota, ainda assim todos os aprovados em primeira chamada na UFPA teriam a pontuação mínima no Enem para concorrerem a bolsas de estudo de intercâmbio pelo Ciência sem Fronteiras.
O Ministério da Educação diz que as instituições têm autonomia para decidir internamente que tipos de política de ação afirmativa aplicarão em seus vestibulares ou em sua participação no Sisu. Atualmente, a única obrigação legal válida para todas as universidades federais é cumprir a porcentagem mínima de cotas estabelecida pela lei de agosto de 2012. Leis estaduais também podem influenciar as ações afirmativas locais.
Proteção dos alunos locais
O diretor-geral do Centro de Registro e Indicadores Acadêmicos da UFPA, Aluizio Marinho Barros Filho, diz que a implantação do bônus foi alvo de polêmica. "O receio de ver as vagas da instituição serem preenchidas por alunos de outra região levou o Conselho Superior da instituição, em uma reunião bastante acirrada, a determinar a bonificação para evitar tal fato", afirma.

Segundo Romualdo Luiz Portela de Oliveira, professor da USP especialista em políticas educacionais, as ações afirmativas precisam ser pautadas por lei, mas não existe um limite formal pré-estabelecido. A avaliação sobre a necessidade de aplicar um bônus ou cota no vestibular deve ser feita de acordo com o objetivo inicial da ação afirmativa.
Ele explica que a política de ação afirmativa "mais radical que existe" é uma que prevê que a presença de um determinado grupo social na universidade seja a mesma participação desse grupo na população em geral. "A ideia original da cota é que ela elimine diferenças sociais entre grupos. Se ultrapassou isso, ela está sendo superprotegida, aí está avançando no espaço do outro."
O professor afirma, porém, que o motivo por trás da cota da UFPA é legítimo, já que outras instituições federais do Norte e do Nordeste do país, depois de aderirem ao Sisu, viram aumentar a dificuldade de acesso dos candidatos locais aos cursos mais procurados, que perderam espaço para quem estudou no Sudeste e no Sul. Em 2013, o G1 mostrou que o número de alunos locais nas universidades federais do Acre (Ufac), Amazonas (Ufam) e Alagoas (Ufal) despencaram após a adesão ao sistema do MEC.
"É um medo real, está acontecendo em outros lugares. É um resultado não desejado do Sisu, em vez de contemplar as regiões mais pobres ele contempla as regiões mais ricas." Portela de Oliveira afirma que um aumento de 10% na nota é relativo. "Nos cursos muito concorridos, 10% é muito, mas em cursos com baixa concorrência pode não ser tão grande."
Bônus foi opcional
A bonificação na nota foi concedida tanto para alunos da rede pública quanto de escolas particulares, que puderam optar ou não pelo benefício. Todos os que aceitaram receber aumento na nota tiveram que comprovar os requisitos antes de fazer a matrícula com o histórico escolar.

Com ou sem bônus, Igor Cerejo teve a nota mais alta da UFPA tanto no Sisu quanto no vestibular tradicional (Foto: Gil Sóter/G1)
Igor explica que o bônus não é a única mudança possível que a nota do Enem pode sofrer durante o processo seletivo do Sisu. Como as instituições podem escolher dar mais peso à nota de uma ou outra prova do Enem, nos cursos em que ele se inscreveu e que privilegiavam as provas de redação, matemática e ciências da natureza, ele também acabava se sobressaindo entre os demais candidatos. "[O bônus da UFPA] acabava sendo compensado nas outras instituições, por conta do peso. Quando o peso era maior em redação, matemática e física, a minha nota subia bastante também", explica.
Cerejo defende a utilização de um bônus por região. "Por mais que a UFPA tenha implementado esta norma, não houve perdas. Cada universidade acaba beneficiando o seu perfil de aluno", avalia o jovem, que foi aprovado em outras faculdades de medicina, e decidiu cursar a graduação na Universidade Estadual do Pará (Uepa), por causa da metodologia do curso.
De acordo com Barros Filho, da UFPA, bônus semelhantes são adotados por diversas outras instituições do país, e o aumento da nota dos estudantes não diminui a validade do processo seletivo. "A prova é que diversos alunos, mesmo sem o bônus, obtiveram a pontuação."
G1

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