sábado, 2 de fevereiro de 2013

Moradores de Porto Alegre oferecem casa a parentes de feridos em boate


Cases familiares em Porto Alegre (Foto: Estela Facchin/RBS TV)Joana Fávero foi a Porto Alegre para visitar a irmã de Guilherme, ferida em incêndio (Estela Facchin/RBS TV)
A espera angustiante no saguão dos hospitais por uma notícia de melhora dos feridos que ainda permanecem internados em Porto Alegre tem sido confortada pela solidariedade de familiares, amigos e até desconhecidos. Sem nenhum vínculo com as vítimas do incêndio na boate Kiss, que matou 236 pessoas, moradores da capital do Rio Grande do Sul cedem suas residências para acolher pessoas de outras cidades.
"Teve gente que nem conhecemos que ofereceu a casa. Todos estão sendo muito solidários, isso nos conforta muito", disse o estudante Guilherme Peiter, irmão de Cristina Peiter, de 23 anos, que continua em estado grave no CTI do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, com 22% do corpo queimado e uma infecção pulmonar. No anfiteatro do hospital foi organizada uma sala de convivência com alimentação e apoio psicológico
Anfiteatro Carlos César de Albuquerque, em Porto Alegre (Foto: Estela Facchin/RBS TV)Anfiteatro no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre,
é ponto de encontro das famílias das vítimas
(Foto: Estela Facchin/RBS TV)
Desde domingo (27), a família Peiter, do município de Casca, no Norte do estado, se distribui em dois apartamentos. Os pais de Cristina, Astor e Nilva Peiter, estão hospedados na casa de amigos que moram na capital. Guilherme, junto com o irmão Mateus e a namorada, contam com a ajuda de uma madrinha.
De malas prontas para retornar para Torres, no Litoral Norte, Joana Fávero, de 23 anos, veio a Porto Alegre dar apoio e fazer companhia aos familiares de Cristina, sua amiga de infância, que deve permanecer por pelo menos 30 dias hospitalizada.
"Fiquei na casa de um primo, onde devo me hospedar novamente, já que pretendo voltar para cá até o próximo domingo", relatou a jovem.
A técnica de enfermagem Luciana Tavares lamentou não poder ir a Santa Maria para atuar como voluntária. Na tentativa de ajudar, também disponibilizou a residência nas proximidades do Hospital Cristo Redentor para receber familiares dos feridos. A divulgação foi feita, inclusive, nas redes sociais:
"Nossa casa é simples, mas cheia de boa vontade de ajudar", enfatiza Luciana, à espera de contatos.
Quartos em Porto Alegre (Foto: Estela Facchin/RBS TV)
Hotéis sem custo
Os familiares dos feridos que buscam maior privacidade também podem buscar hospedagem de graça em hotéis de Porto Alegre, que estão em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde. O Plaza São Rafael foi o primeiro a disponibilizar leitos, já na segunda-feira (28), para famílias de Pelotas, Santa Maria, São Borja e São Pedro do Sul.

"Chegamos a lotar oito apartamentos, hoje temos cinco ocupados", disse o gerente do hotel, Dário Zuffo.
As pessoas interessadas devem procurar o Centro de Hospitalidade, montado pela Secretaria na sede da Fundação São João (Rua Lima e Silva, 925). Além de encaminhar a hospedagem nos hotéis voluntários, o Centro ainda oferece atendimento psicológico e psiquiátrico, serviço de assistentes sociais e transporte. O telefone é (51) 3224-2020.
Além do Plaza São Rafael, outros sete estabelecimentos participam do projeto: City Hotel, Hotel Continental, Coral Tower, Hotel do Sesc, Grêmio Sargento Expedicionário Geraldo Santana, Pousada da GBOEX e Hotel de Trânsito do Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores do Rio Grande do Sul (Ugeirm).
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, deixou 236 mortos na madrugada do último domingo (27). O fogo teve início durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. De acordo com relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores:

- O vocalista segurou um artefato pirotécnico aceso.
- Era comum a utilização de fogos pelo grupo.
- A banda comprou um sinalizador proibido.
- O extintor de incêndio não funcionou.
- Havia mais público do que a capacidade.
- A boate tinha apenas um acesso para a rua.
- O alvará fornecido pelos Bombeiros estava vencido.
- Mais de 180 corpos foram retirados dos banheiros.
- 90% das vítimas fatais tiveram asfixia mecânica.
- Equipamentos de gravação estavam no conserto.

Prisões
Quatro pessoas foram presas na segunda por conta do incêndio: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, responsável pela segurança e outros serviços.
Investigação
O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse ao G1 na terça-feira (29) que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.

O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na terça que a Polícia Civil tem "diversos indicativos" de que a boate estava irregular e não podia estar funcionando. "Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes", disse em entrevista. "Mas isso ainda é preliminar e precisa ser corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais", completou.
Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado durante show em local fechado. "O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais barato”, disse o delegado.
O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que segurou um sinalizador aceso durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações.
A boate Kiss desrespeitou pelo menos dois artigos de leis estadual e municipal no que diz respeito ao plano de prevenção contra incêndio. Tanto a legislação do Rio Grande do Sul quanto a de Santa Maria listam exigências não cumpridas pela casa noturna, como a instalação de uma segunda porta, de emergência. A boate situada na Rua dos Andradas tinha apenas uma, por onde o público entrava e saía. Outra medida que não foi cumprida na estrutura da boate diz respeito ao tipo de revestimento utilizado como isolamento acústico.
A Brigada Militar informou nesta quarta que a boate não estava em desacordo com normas de prevenção contra incêndios em relação ao número de saídas. Segundo interpretação da lei, o local atendia as normas ao possuir duas saídas no salão principal. Mas as portas, no entanto, não davam para a rua, e sim para um hall. Este sim dava para a rua através de uma só porta. "Foi um ato possível que o engenheiro conseguiu colocar", disse o tenente coronel Adriano Krukoski, comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre.
Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, disse que a casa noturna estava em "plenas condições" de receber a festa. Ele falou sobre documentação da casa, segurança, lotação, e disse que a banda Gurizada Fandangueira não avisou que usaria sinalizadores naquela noite. O advogado ainda afirmou que o Ministério Público vistoriou o local "diversas vezes".
A Prefeitura de Santa Maria se eximiu de responsabilidade pelo incêndio e entregou alvará para a polícia que mostra data de validade de inspeção para prevenção de incêndio, feita pelo Corpo de Bombeiros. A prefeitura afirma que a sua responsabilidade era apenas sobre o alvará de localização, que é válido com a vistoria do ano corrente. O documento informa que a vistoria foi feita em 19 de abril de 2012.
O chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, major Gerson Pereira, disse na quarta que a casa noturna tinha todas as exigências estabelecidas pela lei vigente no Brasil. "Quem falhou, que assuma a sua responsabilidade. Nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e não vou entrar em jogo de empurra-empurra", afirmou.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul abriu um inquérito civil na terça para investigar a possibilidade de improbidade administrativa por parte de integrantes da Prefeitura de Santa Maria, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos públicos por terem permitido que a boate Kiss continuasse funcionando mesmo com as licenças de operação e sanitária vencidas.
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G1

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